quinta-feira, 3 de julho de 2014

O tempo em que festejavam os meus anos

Nunca consegui reunir muitas pessoas no meu aniversário. Um grupo restrito, amigos poucos, os dedos de uma mão, esse tipo de coisas. Havia o constrangimento social, que me obriga a celebrar um dia que poderia ser como outro qualquer, mas também a alegria, claro; a alegria de estar reunido com pessoas que gostavam de estar ali, com pessoas de quem eu gostava.
Depois, vieram os anos, o lento peso do tempo sobrecarregando a vida. O grupo tornou-se ainda mais restrito, a família apenas - os amigos foram-se ou fizeram uma pausa, eu deixei de festejar e o sentido que procurava atribuir a uma data como outra qualquer transformou-se. 
Mas os anos voltaram a passar, e numa idade a que gostam de chamar de curva da vida (como se esta fosse uma perfeita circunferência), penso se não será o momento de voltar a celebrar com esse grupo mais largo (ainda e sempre restrito) de amigos. Não é importante? Talvez seja. Não estou já na idade de pudores e orgulhos juvenis, os anos tornaram-me um aspirante ao burguês que durante muitos anos dizia não ir ser. As coisas mudam.

(As pessoas não, House continua certo. Mas se as coisas mudam, as pessoas parecem mudar com elas, quando na realidade apenas revelam ser o que sempre esteve lá, em forma de crisálida.)

No tempo em que festejavam os meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto. Agora, que organizo os meus próprios aniversários, talvez essa felicidade, o desconserto da infância, pura e perdida no desconhecimento de si mesma, não passe apenas de uma memória fabricada. Agora tenho outra felicidade, frágil, presa por arames, sujeita a imponderáveis, arbitrariedades, ao seu final fixado no eixo do tempo. Como não posso ter a original, vou aproveitando a cópia. Mas, oh, há breves momentos em que ela vale tanto a pena. Vale mesmo.