quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Diferença

Não há único momento da vida que seja repetição de um anterior. Pode haver qualidades, motivações, palavras idênticas, mas nunca o mesmo acontecimento. Quem se entrega à rotina dos dias (quem não se entrega?) sabe que cada viagem empreendida exactamente à mesma hora do dia não é exactamente igual. Quando desaprendemos de viver, o tédio começa a instalar-se. É necessário voltar a olhar para os momentos similares como desiguais. Sentamo-nos no mesmo lugar na segunda carruagem do comboio, mas são outros passageiros que vemos. Aquela mulher que lê uma revista não é a mesma que ontem olhava discretamente para o reflexo na janela, ajeitando o cabelo. O homem brincando nervosamente com as teclas do telemóvel ontem não apanhou este comboio, ou talvez tenha apanhado mas escolheu outra carruagem. A paisagem não é igual. Ontem a chuva escorria arrastada pela velocidade, hoje uma clara luz atravessa o vidro, inundando os lugares e aquecendo os passageiros. Quando o comboio chegar à estação e as centenas de pessoas desembocarem, o rio será diferente do que foi ontem, do que será amanhã, do que será durante todos os dias que o comboio parar na estação quotidiana. O que trará mais felicidade, maior consolo ao coração? A familiaridade da repetição ou a diferença dos dias, à espera que sejam admirados cada um por si, sem qualquer grau de semelhança com o anterior ou o próximo? Que queremos nós, a ilusão da repetição ou a crua e bela verdade da diferença?