segunda-feira, 16 de março de 2015

Caderno de encargos (arte poética 1)

O que nos chega aos olhos, e é processado, transforma-se no que nunca foi: pasto de palavras, metáforas que reduzem a cinza a matéria e o sonho, máquina produtora de redundâncias.
O que é está além do olhar que o vê, existe apenas fora do mundo e das palavras que o constroem. Há portanto três planos distintos, três camadas de realidade, e sabemos que nenhuma delas é real, nem material. O que vemos é tão tangível como o que pensamos, e o que pensamos é tão furtivo como o que dizemos. E depois decidimos dizer por outras palavras, como se, digamos, fossem duas estrelas de neutrões sugando tudo em volta, e no centro da sua dança pulsasse um vazio centrífugo por onde escoa a realidade. O escrito habita nesse plano intermédio, a zona atómica onde duas folhas de árvore intersectam a luz enganadora, vive na rocha onde assentam os pés, o lugar no qual começa a nascer a verdade, o que satisfatoriamente substitui a realidade.