domingo, 6 de setembro de 2015

Caderno de encargos (6)

Acabei agora mesmo de escrever um poema. Não apontei a hora, não o fixei ao eixo do tempo. O dia também não. Um poema não precisa de dia nem de hora para estar pronto, julgo eu. Até que volte a pegar nele, está ali, repousando, ganhando corpo. Se for um vinho terá depósito. Se for uma laranja acabará por apodrecer. O verdete cobrirá as suas rugas, e o acre da podridão tomará conta da casa. Ele e os outros, fruta podre no recipiente de plástico, na cozinha. Nada de cristal, nem lugar de honra na casa. Plástico, singelo, a servir de depósito para o poema e para as suas metáforas. 
O poema que eu escrevi, regressou a mim depois de eu o ter deixado partir há uns tempos. Soltei-lhe a trela e ele, obediente, voltou e pôs-se a escarafunchar a porta. Chateou-me, o sacaninha, e não aguentei: deixei-o entrar. Apesar de saber que depois de o aceitar ele iria atazanar-me o espírito. Com a sua perfeita inutilidade, com a sua redundância escarninha, com a sua bela superfície espelhada reflectindo a soma negativa que o trouxe ali, ao cano da minha pistola. 
E agora que escrevo sobre isso, acrescento humilhação ao caso. Se fosse um detective seguindo uma pista, diria que suficientes indícios desta soma negativa só podem levar a uma conclusão, uma apenas. Mas não. Insisto. Mesmo sem saber como rir, escrevo poemas. Se os poemas fossem vinho, viveria feliz algumas horas. Mas nem isso, não são vinho. São apenas objectos inexistentes com os quais comparo o vinho, material e útil. Não têm corpo, nem cheiro, nem sabor. Não nos atiram para o esquecimento, antes nos puxam do sonho e nos deixam desamparados na realidade, como peixes desprendidos do anzol. 
Mas há um verso...