sábado, 21 de novembro de 2015

Caderno de encargos (9)

Vazadouros, depósitos de lixo, descampados de almas. Somos atirados, e revolvidos por  garras de camião de lixo e mandíbulas de bulldozers até nos tornarmos simples memória do que fomos, farrapos prosaicos alimentados a comprimidos e e outras substância miseravelmente lícitas, amálgamas das quais não se distinguem contornos, músculos, objectos partidos, roupas e má poesia. E voltamos a ser alimento de animais ferozes, carniceiros, necrófagos debicando a carne até surgir a luz negra do osso gasto, seco e sujo. As gaivotas voam a pique, pousam e unem o seus grasnados numa ensurdecedora sinfonia, cacofónica, violenta, transporte à loucura. Batemos a cabeça contra muros que não estão lá, e ainda assim a agonia fermenta nas entranhas e sobe aos dedos, procurando nas palavras esboço de absolvição. Mas nem assim. Partimos para lá do que conhecemos, para lá do que nos pode conhecer, e nem a angústia faz sentido, nem o desespero celebra as coordenadas que poderão restabelecer o nosso território. Oh, por cobardia e pela simples inutilidade de tudo preferimos não o fazer, mas encostados à parede, o gume da espada beijando o pescoço, cedemos cobardemente, achando que a ausência de um mapa poderá ser a contento substituída pelos mapas que os outros poderão ter para nos oferecer. Não há linguagem mais violenta do que o nada que a linguagem não pode, nunca conseguirá explicar. Lugares vazios de tudo, inóspita solidão.